Adeus a Naná Vasconcelos

Na última quarta-feira, 9 de março, o Brasil e o mundo perderam um artista extraordinário: Naná Vasconcelos. O percussioninsta foi, além de parceiro musical, um grande amigo de Geraldo Azevedo. Ao saber do falecimento de Naná, o cantor deu um depoimento emocionante ao jornalista Tiago Dias, do site Uol. Confira as palavras de Geraldo:

“Quando cheguei a Recife, logo conheci Naná. Ele fazia um trabalho ligado ao folclore. Eu logo me encantei. Nem planejava me tornar um artista, mas esse envolvimento foi de uma importância muito grande.
Meu primeiro show em Recife foi com Naná e uma cantora Isabel Uchoa, se chamava “Mora na Filosofia” e eu não era compositor ainda. Foi uma coisa marcante.

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Quando lançaram meu primeiro álbum, as fotos na contracapa eram desse show. Estava lá Naná, ainda sem barba. Me lembrei disso e avisei: ‘Naná, tem aqui uma foto de você sem barba’. E ele: “Eu não acredito, eu não me lembro sem barba”. E me tomou a foto. Deu até pena.

Naná sempre foi um músico especial, muito curioso. Além do nosso grupo, o Construção, ele liderava uma escola de samba. Nesse show, ele levou essa escola. Regia todo mundo. Ele já tinha uma presença de palco muito grande, algo que eu nem tinha. Eu ficava atrás do meu violãozinho como João Gilberto. Ele já era Naná Vasconcelos. Nós ouvimos muita música juntos, música africana, jazz, aprendi muito com Naná.

Fui o primeiro daqueles artistas de Pernambuco a fazer show no Rio de Janeiro. Terminei arrastando Naná pra vir. Montamos o grupo Quarteto Livre para acompanhar Geraldo Vandré em “Pra Não Dizer que não Falei das Flores”, o show.
Assim foi até o AI-5, e teve a dispersão. Geraldo foi procurado e fugiu do Brasil. Ficamos órfãos. Depois do AI-5, a cultura brasileira ficou complicada. Além de Chico, Caetano e Gil banidos no Brasil. Gal Costa ficou no Brasil e Naná chegou a fazer um show importante com ela no Sucata, que marcou o momento político e cultural.

Depois, ele se agregou a Milton Nascimento. Contava a história de que, se não fosse por ele, Milton viraria roqueiro, que nem aquela turma de Minas Gerais. Ele trouxe Milton para a música brasileira e a africanidade que ele merecia.
Ele trazia a ciranda, o maracatu, o nau catarineta. Não só os folclores da beira-mar, mas também do agreste, do sertão, que Naná desenvolveu em sua percussão. Ele deu uma dimensão nova à percussão no Brasil. Antes existia o ritmista, depois de Naná existe o percussionista.

Ele transformou o berimbau em um instrumento clássico. Um berimbau na mão de Naná não era um instrumento da capoeira, era um instrumento de orquestra. Ele fazia orquestras de berimbau. Além de ter dado a dimensão do Brasil, com essa grandeza toda, para o mundo. Foi para França, para os Estados Unidos, fez trilha sonora de muitos filmes importantes. Vai ficar como um marco histórico.

Depois que ele voltou para o Brasil, o Carnaval de Pernambuco tinha abertura feita por ele. Colônias de maracatus e ele regendo. Há três anos, ele foi homenageado. Ainda tenho uma sandália com o desenho dele em cima, um dos brindes daquele Carnaval.

De vez em quando ainda piso em Naná. Cheguei até fazer música em homenagem a Naná, “Onde Andará?”, “Onde andará Naná Com seu repique / Negro maracandombe lá de Recife / Parado numa esquina e de repente / Tocando um maracatu tão diferente”.
O maracatu dele tinha uma riqueza muito grande. Sempre vai ter algo marcante lá. Os maracatus vão continuar e sempre em reverência a ele.”

Ouça a música “Onde Andará”, em que Geraldo Azevedo homenageia Naná Vasconcelos: